PS oposição vs. PS governo


Com mais de dois anos de governo da troika e mais de três anos passados desde a apresentação do PEC I (um programa de austeridade sem resgate financeiro), o Partido Socialista passou por uma grande mudança: de executor e firme defensor da austeridade e do discurso da inevitabilidade, a opositor dessa mesma política, defendendo o crescimento económico e o emprego como caminho para sair da crise, tendo passado pela original fase da “abstenção violenta”.

Sendo de saudar a mudança de discurso, esperamos ainda a defesa da denúncia do memorando de entendimento e da renegociação da dívida, condições sem as quais qualquer saída da crise que defenda os 99% e a democracia não passa de uma ilusão. Importa também certificarmo-nos da sinceridade e firmeza do recente discurso anti-austeridade que Seguro e o PS na oposição parecem, progressivamente, adoptar. Para proceder a essa análise importa ter em conta, para além de palavras, actos que têm vindo a ser praticados pelo mesmo partido onde este é governo. Ainda que em diferentes órgãos governativos, as políticas de um partido tendem a estar estreitamente próximas, caso contrário dificilmente seriam o mesmo partido, certo? Uma vez que dos discursos do PS-oposição já falamos, vejamos os actos do PS-governo, neste caso no Governo Regional dos Açores, onde governa com confortável maioria absoluta.

Enquanto o PS-oposição abstém-se nas votações de propostas de aumento do salário mínimo nacional, o PS-governo de Vasco Cordeiro vota contra propostas do aumento em 10 euros do diferencial regional do salário mínimo, alegando que o que deve ser aumentado é o salário mínimo nacional. Em que ficamos?

O PS-governo nos Açores recusou que se mantivesse nos Açores o Código do Trabalho de Vieira da Silva que, sendo um mal menor, impediria que aqui chegassem as prejudiciais mudanças levadas a cabo pelo actual Governo PSD/CDS que desprotegeram ainda mais quem trabalha, tornando as relações laborais cada vez mais difíceis, para os mesmos de sempre, claro.

Cordeiro, Presidente do governo PS nos Açores, aquando do chumbo do Tribunal Constitucional a mais um orçamento inconstitucional, disse que pagaria “com gosto” os subsídios de férias aos funcionários públicos. Mas só após muita pressão o Governo Regional finalmente anunciou que os subsídios seriam pagos em Julho. Estes são apenas alguns exemplos da prática governativa actual do PS-governo, pouco condizentes com as mais recentes posições do PS-oposição.

É, portanto, essencial que um PS que quer fazer parte da construção de uma alternativa de Esquerda ponha em prática o que propõe a nível nacional onde o pode fazer já, isto é, onde governa, neste caso nos Açores. Recusar aplicar políticas em contra-mão com as políticas de austeridade é abdicar, na prática, de uma alternativa que passe pelo emprego, pela valorização dos serviços públicos, pela solidariedade e pela redução das desigualdades. Ao mesmo tempo que recusa agir sobre matérias da sua competência, como o diferencial do salário mínimo, colocando a responsabilidade na República, sujeita os açorianos, sem necessidade, à estúpida e injusta austeridade, descredibilizando a Autonomia regional, que assim torna-se quase um adorno que não pode decidir sem a bênção de Lisboa. Esta inacção voluntária serve apenas a centralistas e aos sonhos de independência da extrema direita, fomentando o sentimento anti-Lisboa.

Todos somos poucos para combater a austeridade para impedir que Portugal se torne num pedaço de terra queimada que não oferece futuro à grande maioria da sua população, a que vive do seu trabalho. A mudança gradual de discurso do PS, sendo positiva, é curta porque o discurso não basta, principalmente para quem também é governo.

Inicialmente publicado no site do Bloco de Esquerda/Açores


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