Crónica de um corte anunciado


Na semana passada a Comissão Europeia apresentou as linhas gerais do orçamento da União Europeia para o período pós-2020. Eram mais do que previsíveis mudanças no orçamento da UE: um dos maiores contribuidores para o orçamento, o Reino Unido irá sair da UE.

Entre as maiores mudanças no orçamento estão cortes na Política Agrícola Comum (PAC) – 5% – e na Política de Coesão – 7%.

Os dados apresentados pela Comissão refletem essa opção mas também aquilo que se chama eufemisticamente de “novas prioridades”. Durante vários meses a opinião pública foi preparada para essa opção. O mantra “o Brexit e as “novas prioridades” da União trarão mudanças no orçamento para o pós-2020” foi repetido até à exaustão sempre que o assunto vinha à baila, normalmente sem que se explicasse, com grande detalhe, o que são as tais “novas prioridades”.

Mas a verdade é que as novas prioridades são fundamentalmente a segurança e a defesa. Ou seja, há transferências diretas de verbas de políticas, como as de coesão – que têm como objetivo reduzir as profundas assimetrias existentes na Europa – para o desenvolvimento de um exército europeu para dar músculo militar aos poderes económicos e políticos que dominam a UE e a satisfazer a indústria de armamento.

Mas quanto é que isto representa efetivamente? No orçamento de 2014-2020 as políticas ligadas à defesa não existiam no orçamento da UE e, de acordo com a proposta agora apresentada, passam a representar 2,15% – 27,5 mil milhões de euros – e aqui nem se incluem as políticas relacionadas com o controlo de fronteiras.

Observando as reações a esta proposta em Portugal (e não só) que falam de “mau começo” – Ministro dos Negócios Estrangeiros – seria de prever que o Governo estivesse em desacordo com esta estratégia de investimento na defesa em detrimento da PAC, das políticas de coesão e de tantas outras políticas em que seria fundamentar investir, como os serviços públicos, o combate às alterações climáticas, etc.

Mas Portugal aderiu ao projeto de defesa comum, a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), com a concordância de PS, PSD e CDS, dando o seu apoio a este caminho militarista da União. Não esperemos, pois, que esses protestos tenham como consequência qualquer ação mais firme que vise impedir estes cortes anunciados. Não vale a pena acreditar nas encenações que serão feitas daqui até o fecho do orçamento. Correrá muita tinta, mas muito dificilmente alguém tocará nos 27,5 mil milhões reservados à defesa.