Incineração: irão aprender com os erros?


Na passada semana foi conhecida a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada acerca do concurso público para construção da central de valorização energética (vulgo incineradora) de São Miguel.

Saíram boas notícias dessa sentença, mas também dados que causam preocupação.

A primeira boa notícia é que o projeto não será adjudicado ao consórcio vencedor – CME e Steinmüller Babcock Environment –  mas também não será adjudicado à outra empresa concorrente – Termomeccanica – que levou o processo a tribunal. O projeto não avança sem que, pelo menos, haja novo concurso.

Ninguém pode, no entanto, deixar de ficar preocupado com o que foi noticiado acerca do acórdão do tribunal: houve parcialidade, irregularidades e erros ostensivos do júri do concurso. Estamos a falar de um projeto de 67 ME, uma das maiores obras públicas nos Açores nos últimos anos. Tivemos um júri que foi parcial, que cometeu ilegalidades e errou ostensivamente. Fica a questão: por que motivos o júri agiu dessa forma?

Para além da avaliação política das decisões tomadas pela Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM), dos autarcas que a compõem, assim como da atuação do Governo Regional – que não pode deixar de ser feita – é preciso olhar para o futuro da gestão de resíduos na ilha de São Miguel com seriedade, colocando finalmente o ambiente e o interesse público em primeiro lugar.

Para isso, é preciso esquecer de vez este projeto. Há muito que isso deveria ter sido feito, mesmo com processos judiciais a decorrer, porque os danos ambientais e os prejuízos financeiros que seriam causados por décadas de funcionamento de uma incineradora enormemente sobredimensionada seriam muitíssimo maiores do que qualquer problema criado pela anulação do concurso.

Mas tirado o problema judicial do caminho, não há desculpas. E ninguém desculpará a AMISM nem o Governo Regional se insistirem neste caminho.

Neste momento há uma proposta do Bloco de Esquerda na Assembleia Legislativa que recomenda ao Governo Regional que, na revisão do Plano Estratégico de Prevenção e Gestão de Resíduos dos Açores (PEPGRA) deixe de estar prevista a incineração em São Miguel e que articule com a AMISM soluções alternativas. Vejo com agrado que as palavras do presidente da AMISM em reação à decisão do tribunal sejam um claro acolhimento dessa proposta do BE.

Mas é preciso passar das palavras aos atos e rapidamente!

É inaceitável que a AMISM insista na construção de uma incineradora que tem capacidade para incinerar a quase totalidade dos resíduos urbanos produzidos em São Miguel. Não é possível sequer sonharmos em cumprir as metas de reciclagem nos Açores com a construção de mais uma incineradora, ainda para mais com esta dimensão. Se isso acontecer, mais vale incinerar também o Plano Regional para as Alterações Climáticas, porque de nada vale com decisões destas.

A responsabilidade está agora nas mãos dos presidentes de Câmara da ilha de São Miguel mas também nas mãos de Vasco Cordeiro, presidente do Governo. Sim, a responsabilidade é também do Governo Regional que sempre deu cobertura à decisão da AMISM, fosse pelo PEPGRA fosse demitindo-se das suas responsabilidades. Com uma palavra acerca da revisão do PEPGRA, Vasco Cordeiro pode parar este projeto.

O BE está onde sempre esteve, do lado do ambiente e do interesse público.