O erro de Costa


O secretário-geral do Partido Socialista e primeiro-ministro António Costa afirmou este fim de semana que a geringonça acabou em 2021. Penso que se equivocou na data da morte da geringonça, assim como nas circunstâncias que ditaram o seu fim.

Na verdade, a geringonça terminou no dia em que o Partido Socialista rejeitou, em 2019, negociar um acordo escrito com o Bloco de Esquerda para uma maioria estável, com um programa que aprofundasse os pequenos, mas importantes, passos dados na legislatura que se iniciou em 2015. A morte da geringonça teve lugar nesse momento e por vontade de António Costa, por mais que agora pretenda reescrever a história.

A narrativa que António Costa quer criar aponta o chumbo do orçamento do estado para 2022 como o fator que determinou o fim da geringonça. A falha de concepção desta narrativa é obvia e agrava-se devido à opção política do PS em governar essencialmente à direita ao mesmo tempo que exigia a aprovação dos orçamentos aos partidos de esquerda.

Mas para que serve neste momento o escamotear de responsabilidades de cada parte no falecimento da geringonça? Na verdade, esse debate nada esclarece sobre as grandes opções políticas que o país enfrenta neste momento. Mas, como se vê, António Costa precisa desse debate sobre o passado recente para forçar uma falsa bipolarização do debate político entre PS e PSD, fugindo ao debate sobre o futuro.

Esta narrativa é parte da estratégia de António Costa para obter uma maioria absoluta de modo a livrar-se dos “empecilhos” partidos de esquerda. Tentou em 2019, não conseguiu. Tenta novamente em 2022. Ao contrário do que afirma António Costa, a opção neste momento não é apenas entre António Costa e Rui Rio. Em primeiro lugar, porque não estamos a escolher o primeiro-ministro, mas sim a composição da Assembleia da República e o programa que queremos para o país.

Em segundo lugar porque as escolhas atuais são muitas e vão para além dessas duas. A direita quer regressar ao poder e vê uma oportunidade nestas eleições antecipadas. E para isso, escondem o seu programa para o país. No entanto, Rui Rio deixa escapar o seu pensamento estrutural que, afinal, não é muito distinto do programa do Chega no que respeita aos apoios sociais. Rio afirmou no encerramento do congresso do PSD que “não é racional manter apoios sociais a quem os usa para se furtar ao trabalho”. André Ventura não diria diferente. Não será, como se demonstrou nos Açores, por dificuldades em chegar a acordo sobre um programa de governo que não haverá acordo à direita com o CHEGA, com tudo o que isso implica.

Por outro lado, uma maioria relativa do PS com a esquerda com menos força, pode também levar ao que Rio já admitiu e que parece ter muitos adeptos no PS: o desejado Bloco central. Formal ou informal, o seu objetivo é afastar a esquerda de qualquer possibilidade de influência sobre a governação de modo que os mesmos de sempre tenham carta branca para fazer o que designam por “reformas estruturais” e que passam sempre por medidas que prejudicam quem trabalha, os mais pobres e os serviços públicos. Com a bazuca para gastar o Bloco central dos interesses ficaria livre para tomar conta dela. Portanto, nada de novo.

Apenas o voto no Bloco de Esquerda permite o reforço da sua posição negocial e influência e com isso permitir a constituição de uma maioria com base num acordo para um programa de esquerda. Um programa que coloque como prioridades os serviços públicos, a melhoria dos salários mais baixos e médios e a resposta à crise climática.