Um azar da Calheta


Foi com surpresa e indignação que tomei conhecimento da intenção da empresa pública Portos dos Açores em concessionar o espaço do Pavilhão do Mar para que aí se instale o casino que agora está no Hotel Casino.

Não teria espaço nestas linhas para descrever todo o kafkiano processo que envolve a concessão dos jogos de fortuna e azar nos Açores, a ASTA Atlântida e a maltratada Calheta Pêro de Teive.

Certo é que mais de 20 anos depois do início deste processo, resta a Calheta Pêro de Teive destruída e a memória dos milhões de euros de dinheiro público despejados. Nem sequer a mera contrapartida de se construir uma praça pública os responsáveis da ASTA, do Governo Regional e da Câmara Municipal garantiram.

Pelo meio, transmitiu-se em 2014 o direito de exploração do jogo da ASTA para a Romanti Casino Azores, percebendo-se agora algumas das vantagens para os interessados.

Em 2021, com as galerias comerciais demolidas mas sem sequer se conhecer datas para a construção do espaço público previsto, veio o governo regional dizer que iria lançar um concurso de ideias para o local. Ideias? Mais uma manobra de diversão.

Então, eis que no ano da graça de 2022 a concessionária dos jogos de fortuna e azar quer que a Portos dos Açores lhe entregue mais um espaço para instalar o seu casino, espaço este pago por todos nós.

A justificação para a intenção do concessionário, se se confirmar o que este mesmo jornal publicou no sábado passado, é um tratado sobre o que significa excesso de descaramento e a falta de vergonha. Cito o AO de sábado:

“Também existe a necessidade de suprimir a ausência de estacionamento na zona envolvente ao Casino, porque existem queixas de falta de estacionamento para os clientes do Casino.”

Terei lido bem? Então não foram os concessionários que construíram um hotel como bem entenderam e ficaram com um gigantesco espaço público onde construiram um enorme parque de estacionamento que se encontra fechado? Então porque é que a ASTA não termina as obras e coloca em funcionamento o parque de estacionamento? É mais fácil e barato aproveitar o já construído e funcional parque de estacionamento das portas do mar, não é?

Como diz a notícia do AO, o pavilhão do mar é “um espaço com maior dimensão, com bons acessos, um parque de estacionamento de grandes dimensões”. Uma maravilha, pois claro! Como diz o povo, de tolos não têm nada.

Mas o mais grave de tudo isto é que a administração da Portos dos Açores e o Governo Regional acham tudo isto normal. Um negócio como qualquer outro.

Acham normal que um dos mais escandalosos processos de destruição do espaço público e incumprimento nos Açores termine com a entrega de um dos mais importantes espaços públicos da ilha que é utilizado para eventos culturais, feiras e congressos e para situações extraordinárias, como foi o processo de vacinação, seja transformado num casino. E que a Calheta continue uma ruína!

José Manuel Bolieiro, pelo seu passado enquanto autarca de Ponta Delgada e pelas suas promessas sobre a Calheta nunca poderia permitir tal desconsideração para com a população da Calheta e de Ponta Delgada.

Mas, para fortuna de uns poucos, a maioria dos açorianos e açorianas têm um verdadeiro azar da Calheta com os seus governantes.