Agendas dominadoras


Diz o povo que “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte”.

Recorro à sabedoria popular porque de facto aquilo a que se assistiu nos últimos dias foi a uma repartição de uma grande parte do bolo do PRR por quem detém o maior poder económico.

Este inacreditável processo das agendas mobilizadoras apresenta dois vícios de fundo: de forma e de conteúdo.

O procedimento escolhido pelo governo da república para aplicar o PRR apresenta muitos problemas, mas em teoria, pretendia-se que as candidaturas às Agendas Mobilizadores constituíssem um processo aberto, transparente e equitativo.

O que se percebe é que transparência não houve e a equidade foi transformada em favorecimento de grupos económicos e empresas e em muitos conflitos de interesses.

Isto porque o governo regional do PSD/CDS/PPM patrocinou essas agendas envolvendo-se nas candidaturas, liderando uma das agendas e sendo co-promotor em todas elas. Tudo nas costas dos açorianos e açorianas.

Agora que rebentou a polémica e claros que ficaram os negócios para amigos, ninguém quer assumir as responsabilidades:

A Câmara de Comércio e Indústria de P. Delgada (CCIPD), que enviou as listas de empresas às consultoras, lidera a agenda do turismo e os seus responsáveis estão envolvidos em várias empresas beneficiárias, num claro conflito de interesses, diz que não tem qualquer responsabilidade.

As câmaras de comércio de Angra e Horta dizem que conheciam o processo mas que não tiveram quaisquer responsabilidades. Curioso é serem beneficiárias de muitos milhões.

Por sua vez, o Governo Regional diz que a responsabilidade é das câmaras de comércio e das consultoras que o governo contratou.

Se acreditássemos nestes intervenientes chegaríamos à conclusão que as Agendas mobilizadoras nasceram de geração espontânea. Mas estas têm rosto: O rosto do Governo Regional dos Açores, presidido por José Manuel Bolieiro. O Governo, os partidos que o integram e o apoiam.

Deste processo resulta a entrega à COFACO, que despediu mais de 160 trabalhadores no Pico, mais 6,6 ME;

Decidiram entregar ao Hospital privado, campeão dos subsídios públicos nos últimos anos, a liderança de um projeto de 8ME;

Decidiram permitir à ASTA Atlântida, campeã dos ataques urbanísticos nos Açores, a participação em projetos de 22ME;

As agendas mobilizadoras nos Açores são um jogo viciado e condenado a ser um negócio para amigos.

Mas existe um problema mais fundo que radica no modelo de desenvolvimento seguido nos Açores e que este governo quer acentuar. As agendas mobilizadoras para a inovação em nada inovam ou diversificam.

Estas não são agendas mobilizadoras. São agendas dominadoras da economia.

Se não vejamos: O grupo Bensaúde está envolvido em projetos que ascendem a 54ME, e o grupo Finançor em projetos que ascendem a 34,7ME.

Por coincidência o atual Secretário Regional das Finanças, Joaquim Bastos e Silva, foi administrador do grupo Bensaude de 1995 a 2005 e da empresa dos hotéis Azoris do grupo Finançor desde 2016. Em política não basta ser, é preciso parecer.

Este governo trouxe de facto mudanças: O poder económico deixou de influenciar a governação, para ser ele a governar de facto.

Exige-se a repetição deste processo de forma transparente e justa e um esclarecimento até às últimas consequências do processo de decisão.